Entenda por que o WhatsApp foi bloqueado no Brasil e como isso pode afetar você
O bloqueio do WhatsApp no Brasil não foi notícia apenas entre os noticiários locais, mas também ganhou destaque no cenário internacional. Sites do mundo todo repercutiram a decisão da Justiça em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, que obrigou as principais operadoras de telefonia móvel brasileiras a suspenderem o acesso ao aplicativo pelo período de 48 horas.
Desde a 0h desta quinta-feira (17), as empresas acataram à ordem judicial. Contudo, cerca de 13 horas depois do ocorrido, o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu uma liminar para que as operadoras deixassem de bloquear o app em todo o território nacional. Assim como a suspensão, a volta da plataforma também foi destaque nos principais veículos de tecnologia da mídia estrangeira — e comemorada por Mark Zuckerberg e Jan Koum, respectivamente os CEOs do Facebook e do WhatsApp.
Agora que as coisas se normalizaram, muita gente ainda deve se perguntar por que a Justiça optou por uma medida tão drástica que afetou toda a base de usuários da ferramenta no país. Quem acompanhou todo o empasse na noite de ontem (16), logo quando saiu a notícia do bloqueio, deve ter notado que as principais acusações caíram sobre as operadoras que, apesar de já terem se manifestado contra o crescimento de ferramentas gratuitas como o WhatsApp, não tiveram envolvimento direto na decisão da juíza Sandra Regina Nostre Marques. E vamos explicar os motivos.
Em termos de demanda, o EMIS Insights estima que equipamentos mais acessíveis como notebooks continuarão a dominar as vendas de PCs no Brasil.
O estudo estima ainda que o mercado doméstico de software e serviços de TI deve crescer entre 2017 e 2021. O crescimento deve ser baseado na recuperação da economia que irá atrair investimentos em clound, ajudando a expandir a IoT e a evolução de tecnologia blockchain.
Os serviços de TI, por sua vez, devem crescer 5% por ano entre 2017 e 2021 e, até o final de 2021, as vendas de software e serviços de TI devem alcançar USD 25,8 bilhões com um aumento de 5,7% por ano.
É aí que o WhatsApp entra na história. Para dar continuidade às investigações, a Justiça teria solicitado junto ao Facebook, que controla o WhatsApp, dados pessoais de pessoas ligadas ao suspeito que faziam uso do mensageiro. A decisão judicial de julho não foi atendida, e uma nova notificação foi enviada em 7 de agosto, desta vez com uma multa fixada em caso de não cumprimento.
Só que a companhia se recusou a atender a esses pedidos, acarretando no bloqueio do app em todo o país nesta quinta-feira. Isso significa que as operadoras apenas cumpriram uma ordem judicial, e não organizaram uma ação entre si contra o aplicativo. Inclusive, a informação já foi confirmada pelo Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviços Móvel Celular e Pessoal, o SindiTelebrasil, que representa as entidades Vivo, Claro, Tim, Oi, Sercomtel e Algar.
Além dessa suspeita que envolve um suposto integrante do PCC, estaria outra investigação: a de uma quadrilha de roubo a banco e caixas eletrônicos. De acordo com a reportagem do SPTV, a determinação judicial foi uma punição ao Facebook, que não liberou mensagens usadas pelos criminosos no aplicativo para a investigação policial. A quadrilha é investigada há dois meses e a Justiça já havia autorizado a interceptação das conversas pelo WhatsApp para investigar a facção criminosa que, segundo o telejornal, também tem envolvimento com o tráfico de drogas.
A juíza da 1ª Vara Criminal de São Bernardo, Sandra Marques, ainda estabeleceu uma multa diária de R$ 100 mil ao WhatsApp em caso de descumprimento da ordem judicial. Como a empresa não se manifestou, a polícia e o Ministério Público (MP) pediram a interrupção do serviço à Justiça, que concordou. Hoje, o valor da multa estaria em mais de R$ 12 milhões.
É por isso que usamos “supostas” informações, pois não temos como saber sobre o que trata exatamente o processo que resultou no bloqueio da plataforma no Brasil. Como esse processo corre em segredo de Justiça, faz todo o sentido esta não querer que novas notícias sejam divulgadas, uma vez que, por conta disso, a investigação pode ser prejudicada. Por outro lado, isso não quer dizer que o público tenha de ser diretamente afetado — e prejudicado.
Tudo teria começado em 23 de julho deste ano, quando o WhatsApp recebeu uma determinação judicial que exigia da empresa a quebra do sigilo de mensagens trocadas por pessoas suspeitas de estarem ligadas a vários crimes. Mais especificamente, um homem preso pela Polícia Civil de São Paulo em 2013 era o principal investigado, sob as acusações de latrocínio, tráfico de drogas e associação ao Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das organizações criminosas mais perigosas de SP.
Embora tenha sido condenado a 15 anos e dois meses de reclusão, o suspeito ficou preso preventivamente por dois anos e acabou solto em novembro de 2015 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de um Habeas Corpus. Ele teve o direito de responder o proceso em liberdade, desde que informasse o lugar em que morava caso mudasse de endereço, além de atender a chamados da Justiça.
Você e todos os usuários têm tudo a ver com isso. Pense o seguinte: se a Justiça conseguiu bloquear o aplicativo móvel mais usado no país, por que ela não poderia fazer o mesmo com qualquer outra ferramenta menos popular?
A questão é que impedir o acesso a qualquer conteúdo disponível na rede vai contra algumas das principais medidas estipuladas pelo Marco Civil da Internet, o conjunto de direitos dos usuários na web e das regras para a atuação de empresas e do governo no meio digital. Uma delas, descrita nos artigos 18 e 19 do texto do Marco Civil, diz que o provedor não pode se responsabilizar por atos de terceiros — neste caso, as suspeitas de envolvimento do PCC em efetuar crimes via WhatsApp. A única exceção a este caso só responsabiliza o provedor por derrubar um conteúdo que infrinja a lei. Está lá, na lei:
Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
Outro ponto que fere o Marco Civil é também o mais polêmico: o da neutralidade de rede. Segundo o texto, é proibido definir que tipo de site ou aplicativo você acessa, ou ainda controlar a velocidade de conexão em serviços específicos. Por exemplo, se a sua internet é de 20 Mbps, os mesmos 20 Mbps devem ser destinados tanto para um conteúdo mais leve, como um arquivo de texto ou imagem, quanto para algo mais pesado, como um download ou vídeo em alta resolução. Além disso, as empresas não podem barrar apps, nem pré-determinar aquilo que você pode ou não visitar. Ou seja, você tem o direito de acessar toda a internet, sem distinção de conteúdo ou velocidade.
Também está na lei:
Art. 9. O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação. (…) Na provisão de conexão à internet, onerosa ou gratuita, bem como na transmissão, comutação ou roteamento, é vedado bloquear, monitorar, filtrar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados, respeitado o disposto neste artigo.
Em resposta ao bloqueio do WhatsApp, a Proteste — Associação brasileira de Defesa do Consumidor — defende que as garantias estabelecidas pelo Marco Civil da Internet, como a neutralidade de rede e a inimputabilidade, não devem ser violadas, nem que os provedores de conexão respondam pelos atos ilícitos praticados pelos usuários (novamente, neste caso, os suspeitos de envolvimento com o PCC). Para a entidade, a decisão é desproporcional e os efeitos da medida trazem prejuízos inestimáveis ao impedir milhões de brasileiros de usar o aplicativo.
Rafael Zanatta, pesquisador em telecomunicações do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), também condenou a suspensão do WhatsApp, destacando o ocorrido como “uma violação ao Marco Civil”.
“A legislação estabelece, entre os princípios de uso da internet, a liberdade de modelos de negócios, a inovação e a liberdade de o consumidor usar os dados como preferir. O artigo 9º do Marco Civil diz que os pacotes de dados usados pela internet devem ser tratados de forma isonômica. Mesmo que as operadoras ofereçam o acesso à internet, por meio de sua infraestrutura, elas não podem discriminar o que o usuário desejar usar. O Marco Civil entende que o consumidor está protegido e tem o direito de decidir o que é melhor para ele. É a garantia da neutralidade da rede”, disse.
Dirceu Santa Rosa, o advogado que em 2014 defendeu o app Secret logo quando a Justiça do Espírito Santo determinou sua retirada das lojas do Google da Apple, acredita que o caso recente do WhatsApp sinaliza um futuro que pode colocar em risco a liberdade dos usuários sobre o que eles querem acessar na internet. “Ainda que o Facebook não tenha cumprido a ordem judicial, o precedente aberto pela juíza da São Bernardo do Campo é muito perigoso. Vão surgir outras medidas judiciais, com certeza”, alegou.
Texto por: Caio Carvalho | canaltech.com.br